(M)Eu, Verso

Da realidade ao poema, estas são histórias inspiradoras que deram forma ao verso.

perda na gravidez
A história real de Joana

“Aquela gravidez foi a melhor surpresa das nossas vidas e de repente tiraram-nos o chão”

Joana recebe-nos de sorriso aberto, convidativo, sem reservas. Um sorriso que não nos deixa adivinhar a luta incansável dos últimos 11 anos, as dores que viveu, apenas ultrapassadas por uma vontade inabalável: a vontade de ser mãe.

Sempre adorou crianças, lidar com crianças, estar com crianças, sempre quis ser mãe. Era um sonho de infância que levou consigo para a adolescência, altura em que fez babysitting, e para a idade adulta.

Para Joana, a gravidez era algo natural para qualquer mulher, quase um dado adquirido. Afinal, à sua volta as amigas e mulheres da família “simplesmente” engravidavam, era fácil, acontecia sem obstáculos. Sempre soube que um dia ia casar e engravidar e nunca ponderou que poderia não ser possível, que poderia não acontecer, até que de repente a realidade chocou de frente com o sonho de ter um filho.

Joana
“No dia em que casámos decidimos que queríamos ser pais. O nosso maior sonho era constituir família. Era um plano de vida: ser mãe e ser mãe de muitos filhos”
“No dia em que casámos decidimos que queríamos ser pais. O nosso maior sonho era constituir família. Era um plano de vida: ser mãe e ser mãe de muitos filhos”

Assim que casou, aos 28 anos, Joana e o marido começaram de imediato a tentar engravidar. Seis meses passaram, sete meses, nove meses e nada. Estranhou e a ansiedade começou pouco a pouco a surgir. No entanto, o alarme não soou logo, nem para si, nem para o marido, nem para a ginecologista que a acompanhava. Joana vivia com um pensamento constante: “Vai ser no próximo mês.”

Veio o verão e ainda dentro do prazo considerado normal, a ginecologista de Joana aconselhou-a ir de férias, que relaxasse e esperasse mais um pouco. Provavelmente ia acontecer, certo?

Setembro chegou, altura em que fez um ano de casada, altura que assinalou também um ano de tentativas, um ano à espera de um teste positivo de gravidez que não chegou. Um ano que correspondia a uma realidade ainda difícil de compreender ou de aceitar: quando um casal tenta engravidar durante 12 meses e não consegue é, clinicamente falando, diagnosticado como infértil.

Começaram os exames e as análises. Cedo se tornou evidente que com António estava tudo bem, mas com Joana não.

Perceberam que tinha uma reserva ovárica baixa, por outras palavras, tinha quase 30 anos, mas os meus ovários correspondiam aos de uma mulher de 40.

“Algo se passava também com o meu útero, os médicos perceberam que sofria de uma doença autoimune indeterminada. Por esse motivo, o meu útero não era hospitaleiro para um bebé crescer e se desenvolver”, explica.

Rapidamente, os médicos perceberam que essa autoimunidade se devia a uma condição conhecida como trombofilia, uma doença de coagulação sanguínea que aumenta o risco de trombose, nas veias ou artérias, e que dificulta a implantação embrionária. Mais tarde veio ainda o diagnóstico de endometriose, mais um obstáculo para uma gravidez bem-sucedida. Contudo, falamos de condições que infelizmente afetam muitas mulheres, que não são totalmente incontornáveis. Resumindo: Joana tinha esperança, uma esperança que era validada por especialistas. Vai acontecer, com o tempo vai acontecer.

Seguiram-se comprimidos, suplementos, terapias alternativas, medicina chinesa, alimentação anti-inflamatória, homeopatia, acupuntura… passaram 15 meses, 16 meses, a angústia aumentava assim como a espera do tão desejado bebé. Fez três inseminações artificiais e o corpo rejeitou as três. Resoluto, o casal passa à fase seguinte. Foi nessa altura que a ginecologista encaminhou Joana para uma clínica de fertilidade onde lhe propuseram fazer a primeira fertilização in vitro (FIV). Ao todo fez sete. Todas provocaram emoções diferentes.

Joana confessa: “Estava com esperança que acontecesse logo na primeira FIV, apesar de saber que só 20% das fertilizações dão certo na primeira tentativa. Tinha esperança de fazer parte desse número.”

“Quando não resultou fui ao chão por completo, mas queria muito ser mãe, queríamos muito ser pais, portanto, tive de dar a volta.”
“Quando não resultou fui ao chão por completo, mas queria muito ser mãe, queríamos muito ser pais, portanto, tive de dar a volta.”

Desapontada, mas não derrotada. Soube que iria continuar a fazer tudo o que fosse preciso para ter um filho. Não iria parar e queria de imediato voltar a tentar. Além do remoinho de emoções, tomava entre três e quatro injeções por dia: “Recebia diariamente uma bomba de hormonas, era um turbilhão.”

Fisicamente, Joana sentia-se razoavelmente bem, sempre foi uma pessoa com uma alimentação regrada e adepta do exercício físico. Hábitos que ajudaram a contrariar o impacto das hormonas, sendo que o aumento de peso é um dos sintomas mais comuns.

Psicologicamente, foi mais duro. Num dia estava bem-disposta, noutro estava triste. A incerteza de conseguir levar uma gravidez a termo e, se sim, quando era talvez o mais desgastante. “Se soubesse que o processo de fertilização ia durar cinco anos, por exemplo, mas que ia de facto acontecer, as forças seriam muito maiores, mas nunca sabia qual seria o passo seguinte”, conta

Num momento sentia-me forte, mas depois quando o tratamento corria mal ia tudo abaixo, era difícil, era muito difícil, foi um período muito desgastante.

Após três FIV sem sucesso, na quarta finalmente aconteceu e engravidou. A felicidade durou até às oito semanas, altura em que descobriu que se tratava de uma gravidez ectópica. Sabia que o seu bebé estava vivo, mas estava alojado numa trompa e jamais sobreviveria. Joana foi obrigada a interromper a gravidez. Um momento que poderia ter significado a derrota e a rendição, devido a uma tristeza profunda e à maior perda que tinha experienciado até ali.

Pela primeira vez passou-lhe pela cabeça não continuar. Voltou à médica quase um ano depois e queria realmente perceber se afinal tinha mesmo hipótese de engravidar ou não.

“Após cinco anos vale a pena continuar? Vai dizer-nos quando é que temos de parar? Porque nós vamos tentar e tentar, sofregamente”, expôs à médica, que lhe disse “sim, o seu caminho ainda não acabou”, lembra Joana.

Com resiliência avançou para a quinta FIV e mais uma vez engravidou. Apesar da perda anterior, assim que testou positivo acreditou que a gestação iria correr bem. Não permitiu a si mesma considerar outro desfecho, até ao momento em que sofreu uma hemorragia intensa e pensou que poderia ter perdido também este bebé. Enganou-se, foi fazer uma ecografia e ali estava o coração do seu filho a bater, com a mesma determinação da mãe. A partir daí não duvidou mais.

“Depois de tudo o que tinha passado, ele estava na minha barriga, agarrado com unhas e dentes, soube que este bebé ia ficar comigo, que ia dar certo.”
“Depois de tudo o que tinha passado, ele estava na minha barriga, agarrado com unhas e dentes, soube que este bebé ia ficar comigo, que ia dar certo.”

A gravidez decorreu de forma pacífica, sem qualquer complicação, Joana trabalhou sem problemas até às 38 semanas e o Vasco nasceu às 39 semanas.

“Quando ele nasceu, o sentimento foi inexplicável. O Vasco era tudo o que eu queria, o que nós queríamos, foi uma alegria vivida a dois. Nunca senti tamanha felicidade” , descreve.

Após ter dado à luz um bebé saudável, o casal sentiu um novo ânimo. Aos 34 anos, com um útero que tinha carregado um bebé durante 9 meses sem qualquer incidente, Joana teve a certeza de que a sua jornada de maternidade ainda não tinha terminado.

Não estava preparada para desistir. Não me digam que não posso ser mãe, porque não há nada que me impeça

Cerca de um ano e meio após o nascimento de Vasco, Joana submeteu-se a mais uma fertilização in vitro que simplesmente não resultou. Reflete que esta foi a fertilização que menos lhe custou, por um lado, porque já tinha um bebé, por outro lado, após tantas tentativas, o sentimento de perda tornou-se infelizmente algo familiar.

Depois em 2021, do nada, após 11 anos, de tentativa após tentativa, aconteceu o impensável. Engravidou espontaneamente – “nenhum de nós acreditava que podia ser de facto verdade. Fiz uma primeira ecografia e descobri que sim, estava efetivamente grávida.”

Católica, com uma grande fé, acreditou que se aquela gravidez tinha finalmente surgido, sem sequer tentar, era por alguma razão “e não me ia ser tirado”.

Não vacilou sequer por um minuto. Fez exames, contou aos sete ventos, aos amigos e à família, e às nove semanas, quando fez nova ecografia, descobriu que o bebé tinha parado de se desenvolver. Teve de terminar a gravidez, e nem isso foi “fácil”, foi submetida a uma raspagem e desenvolveu uma infeção uterina. Este foi para Joana o momento mais duro de toda esta viagem. A maior surpresa transformou-se na pior desilusão. Desta vez não tinha feito fertilizações, a gravidez tinha simplesmente acontecido e foi difícil aceitar que assim como surgiu, do nada, sem explicações, a oportunidade de ser novamente mãe lhe foi arrancada, do nada.

“Aquela gravidez foi a melhor surpresa das nossas vidas e de repente tiraram-nos o chão” partilha.

“Nunca fiz luto. Preferi sempre passar por cima e continuar, mas desta vez não consegui.”
“Nunca fiz luto. Preferi sempre passar por cima e continuar, mas desta vez não consegui.”

Hoje Joana dá a jornada da maternidade por encerrada. A perda de uma gravidez espontânea, a entrada na casa dos 40 e a endometriose que sempre foi piorando, havendo o risco de necessitar de fazer uma histerectomia e entrar na menopausa precoce.

Com 41 anos, admite que ainda está a lidar com a decisão de parar em definitivo, mas sabe que tem de “arrumar esta caixa”. “Não estou bem resolvida, ou seja, é um processo com que estou ainda a lidar. Neste momento quero estar com o Vasco, acompanhá-lo e aproveitar.”

Apesar do sofrimento e da luta de mais uma década, voltaria a fazer tudo de novo.

O companheirismo e o apoio inabalável do marido foram fundamentais nesta dura viagem, assim como da família e dos amigos. Nunca se sentiu pressionada, nunca recebeu críticas ou julgamento, apenas afeto e encorajamento.

Tenho um filho saudável, espetacular, é um miúdo que acorda feliz e se deita feliz, está sempre de bem com a vida.


O conselho que daria a outras mulheres que receberam um diagnóstico de infertilidade? “Tentem tudo, todos os tratamentos, esgotem todas as possibilidades, gastem todas as fichas, e sobretudo, enquanto casal, apoiem-se um no outro.”

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Gravidez indesejada
A história real de Sara

“Ser mãe não é fácil. É que Ser Mãe é tão difícil”

Gravidez indesejada
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“Ser mãe não é fácil. É que Ser Mãe é tão difícil”

Sara

Aos 21 anos tudo mudou na vida de Sara. Deixou de ser “aquela miúda de 21 anos” para estar grávida. Ainda estudante, a viver numa cidade que não era aquela onde cresceu, uma cidade longe da família, para ser mãe. Não era ali, não era “agora”. “Estava a acabar a faculdade. Estava tudo engatado.” A vida acabou por ficar em ponto morto. A menstruação atrasou. Fez um teste de gravidez. Positivo. “Quando fiz o primeiro teste pensei logo: não é possível. Não estou.” Fez um segundo: negativo. Não repetiu mais.

Umas semanas passaram e voltou a fazer o teste, de novo positivo. “Pensei um milhão de coisas.” Equacionou tudo. “Não tinha condições. Não estava nos meus planos.”

“Eu demorei tanto a admitir. A pensar: deixa lá ver o que é que eu vou fazer”. Foi contando ao namorado na altura que estava com a menstruação atrasada. Foram falando. Ao segundo teste de gravidez positivo – não ao primeiro – disse-lhe o resultado. “Ele reagiu mais ou menos como eu. Eu tinha 21 anos, ele também tinha 21. Se eu era imatura, ele era 50 vezes mais do que eu.”

Na cabeça de Sara, os nós tornavam-se cada vez mais apertados. Eram demasiadas as pontas soltas. “Tive sempre aquela esperança de: isto não vai acontecer comigo.” A gravidez não lhe era uma coisa estranha. A mãe teve sete filhos – Sara foi a quinta –, a irmã mais velha já tinha tido filhos. “Eu era uma pessoa bem informada, mas sei lá, acho que andei a mentir o tempo todo, a dizer: isto não me pode estar a acontecer.”

“A gravidez é uma coisa violenta fisicamente, transforma-te tudo. No nosso corpo muda tudo. O corpo muda todo. No pós-parto, o teu corpo está todo diferente, a tua cabeça está diferente, o teu foco é diferente. Não podes ser a mesma pessoa”
“A gravidez é uma coisa violenta fisicamente, transforma-te tudo. No nosso corpo muda tudo. O corpo muda todo. No pós-parto, o teu corpo está todo diferente, a tua cabeça está diferente, o teu foco é diferente. Não podes ser a mesma pessoa”

O corpo já dava sinais – a barriga já tinha começado a crescer, estava enjoada. Mas Sara só assumiu que estava grávida aos três meses, altura em que fez uma ecografia numa ida às urgências do hospital com dores – “umas contrações estranhas”. Até lá, nunca assumiu que estava grávida nem para si própria. Desejou, nalgum momento, perder naturalmente o feto. “Se calhar, se tivesse acontecido, eu ia sofrer muito mais do que na realidade sofri, porque depois a coisa correu bem.”

“Quando fui para o hospital e fiz a ecografia, o médico pressentiu. Quis que olhasse para a ecografia – olhe para aqui, acho que é um rapazinho –, falou em pezinhos... Eu nem sei se, de facto, se viam pés, porque não olhei. Eu não conseguia olhar. Mas a verdade é que quando saí pensei: tenho mesmo aqui um bebé, vai acontecer. Foi nessa altura que admiti.”

Depois de meter na cabeça que, de facto, tinha ali um bebé, assumi de corpo e alma. Nunca olhei para trás a pensar: e se não tivesse acontecido?

A gravidez não foi fácil. Primeiro porque a omitiu – e “esconder uma gravidez não é uma coisa fácil”. Depois, porque esteve enjoada a maior parte dos primeiros quatro meses. “Houve um dia em que tive de mandar parar um autocarro para vomitar.” Estava a fazer o estágio “numa escola problemática”, a terminar o curso de Ação Social, e, ao mesmo tempo, a trabalhar num call center. “Não vivi a gravidez num estado pleno de descanso. E fisicamente também não foi agradável. Há uma série de coisas a acontecer, mesmo em termos de humor. Estava muito cansada.”

“Não foi uma gravidez feliz e plena. E eu acho que, de facto, quando a gravidez é vivida em pleno, é possível ser boa. Mas a minha não foi”
“Não foi uma gravidez feliz e plena. E eu acho que, de facto, quando a gravidez é vivida em pleno, é possível ser boa. Mas a minha não foi”

“Não acompanhei a gravidez. Não fiz os exames necessários”, até aos quatro meses, quando contou aos pais. “A reação da minha mãe foi uma reação natural. Disse-me: não era isto que querias para a tua vida. Sabia quais eram os meus sonhos e esta gravidez não estava dentro dos meus sonhos. O meu pai ficou um bocadinho ainda mais incomodado. Não foi uma coisa fácil, porque eu estava a estudar, porque era muito nova. Mas senti-me apoiada.”

A mãe de Sara teve sete filhos. As primeiras quatro gravidezes foram pensadas, conta. A partir da quinta gravidez, curiosamente a de Sara, não foram planeadas. “Temos um problema de excesso de fertilidade na família (risos).”

A minha mãe era a melhor pessoa para me dizer: isto vai correr tudo bem e os filhos criam-se. E é verdade. Está aí para provar um jovem adolescente-adulto de 25 anos

“Quando contei que estava grávida não me disse, mas na semana seguinte a minha mãe teve o cuidado de dizer: vai correr tudo bem e nós estamos aqui e o que for preciso nós ajudamos. Os filhos criam-se. E [a minha mãe] era a melhor pessoa para que me dizer, que tem sete filhos e criou-os a todos. Com alguma dificuldade.” Os pais de Sara estavam a viver numa zona em guerra, tinham quatro filhos e tiveram de fugir de Moçambique para a África do Sul antes de regressarem a Portugal, meses antes do nascimento de Sara.

Os nove meses de gravidez de Sara passaram. Terminou o estágio, fez a apresentação final do curso, cumpriu o contrato de trabalho até ao último dia. “O meu filho nasceu num domingo e eu deixei de trabalhar na sexta-feira anterior. Acho que consegui porque tinha 21 anos e aos 21 nós conseguimos coisas porque o nosso corpo ainda nos permite fazer isso. Porque eu andava a correr, andava de transporte de um lado para outro.” Durante a gravidez, não sentiu o julgamento de colegas, de professores – “porque acho que não estava preocupada com isso”. “Estava preocupada em como ia gerir as minhas aulas, o meu estágio, o meu trabalho. Eu precisava daquele trabalho. Ainda precisava mais grávida!”

Não teve muito tempo para pensar. Sentiu-se envergonhada, “sem ser preciso os outros fazerem-me sentir isso”. “Senti por mim.” Não por estar grávida. Mas por se considerar uma pessoa informada para ter engravidado. “É daquelas coisas parvas. Acontece aos outros, claro que também me podia ter acontecido a mim”. Até porque Sara tomava a pílula. “Houve um dia qualquer que a pílula caiu e eu, em vez de ir procurar, facilitei. Foi uma parvoíce. E eu senti-me envergonhada por isso. Como é que eu deixei que isto acontecesse? Ninguém me fez sentir assim, fui eu que me fiz sentir assim.”

“Ter tempo para estudar, ter isto na cabeça – porque eu acho que o maior problema não era tudo o que tinha para fazer, era a cabeça. Como é que eu vou gerir isto e o que é que eu vou fazer a seguir... Por muito que haja uma estrutura familiar, não é a mesma coisa”
“Ter tempo para estudar, ter isto na cabeça – porque eu acho que o maior problema não era tudo o que tinha para fazer, era a cabeça. Como é que eu vou gerir isto e o que é que eu vou fazer a seguir... Por muito que haja uma estrutura familiar, não é a mesma coisa”

O parto foi induzido, sem epidural – “na altura, naquele hospital não davam epidural”. Mas Sara não estava nervosa nem preocupada. “As histórias que eu tinha à minha volta eram todas de uma gravidez bem-sucedida. A minha mãe teve os sete filhos de parto normal. A minha irmã teve filhos de parto normal. Não tinha amigas ainda que tivessem filhos, portanto, eu não tinha informação de coisas que podiam correr mal. Eu só tinha informação de uma pessoa que está grávida, tem um filho e corre tudo bem e pronto”. Com os seus 21 anos, Sara confessa que não pensou em muitos assuntos. “As minhas irmãs não tinham levado epidural. A minha mãe não levou. Não era nenhuma questão. E então foi sem epidural e as contrações foram muito dolorosas.”

Na sala de partos, Sara ouvia pessoas a gritar, mulheres a gritar. “Lembro-me de ouvir a doutora que me fez parto e lá de vez em quando vinha e dizia-me: está tudo bem, não gaste força, precisa de guardar força para si, guarde toda a força que tem”. O parto, em si, foi rápido, “nada doloroso”

Eu, de repente, tinha 21 anos que pareciam que eram 30 e o pai [do filho] continuou a ter 21 anos. Porque, na realidade, nós [mães] somos obrigadas a crescer. Não há hipótese

“Tu [como mãe] percebes que tens responsabilidade sobre o bebé, sobre tudo o que está a acontecer. Porque é físico, é biológico. Esses nove meses que o bebé andou ali na barriga faz com que uma mãe tenha de se habituar. Tu és obrigada a habituar-te. Não há como ignorar. E quando assumimos essa responsabilidade toda, o outro lado não sente essa necessidade. Ainda por cima sendo tão novo. Não sentiu esse peso. Na realidade eu cresci, ele não cresceu.” O filho tinha seis meses quando se separaram – “ótimo pai, ainda hoje é presente, mas na realidade ele vivia numa ponta do país e eu vivia noutra”.

Aos 34, Sara voltou a ser mãe. “Nunca mais pensei em ter filhos, tive relacionamentos no meio e nunca tive vontade de ter filhos. E, na realidade, neste relacionamento, sim. Disse-me que queria ser pai ainda novo e eu pensei: porque não, sim, eu gostava de ter mais filhos.”. Foi uma gravidez desejada e planeada.

Não tinha propriamente problemas financeiros, não precisava de me preocupar como é que vou pagar o leite da criança, como é que vou pagar as fraldas

Sara diz que não há comparação nenhuma entre as duas gravidezes. A segunda foi vivida numa altura em que tinha a vida muito estabelecida. Foi uma gravidez pacífica, vivida em pleno, sem enjoos, sem nervosismo, mas com mais preocupações daquelas de grávida que não teve tempo de ter na primeira – “Quanto mais informação tu tens, mais histórias ouves...”

Apesar de ter vivido esta segunda gravidez “mais descansada e partilhada assim que soube que estava grávida”, conta que o parto foi mais difícil, “porque foi uma cesariana”. Mas não só...

“É engraçado porque todo o resto, eu costumo dizer, para mim, toda a parte da educação e da criação foi mais fácil a primeira do que esta. A gravidez não, a criação sim. Porque foi uma criação individual. Na realidade, a responsabilidade é toda tua, tu tens esse peso, mas também tens essa coisa do: eu digo não é não, eu digo sim é sim. Não há discussão (risos). Não há aquela coisa de fazerem birras. Portanto, a criação até foi mais fácil na primeira gravidez.”

“Não usufrui da gravidez como podia ter usufruído e como acho que uma gravidez deve ser vivida. Eu usufrui do meu filho muito mais tarde. Mais tarde. Em paz. Eu e ele. Usufrui dele assim mais...”
“Não usufrui da gravidez como podia ter usufruído e como acho que uma gravidez deve ser vivida. Eu usufrui do meu filho muito mais tarde. Mais tarde. Em paz. Eu e ele. Usufrui dele assim mais...”

Se não tivesse tido o primeiro filho, como é que Sara imaginaria que teria sido o seu percurso? “Nunca pensei nisso. Não consigo imaginar. Não consigo imaginar um mundo paralelo. Não me arrependo de nada. Teria sido diferente. Isso não tenho dúvida nenhuma, a minha vida, mas não me arrependo nada de nada. Mesmo.”

O que diria a alguém com 21 anos e um filho? “Vou dizer exatamente o que a minha mãe me disse: eles criam-se, eles criam-se mais para a esquerda, mais para a direita, com algum custo. Eles criam-se e tu consegues fazer um bom trabalho. Relaxa, porque eu acho que tem muito a ver com isso, com a nossa capacidade de relaxarmos na vida, sabes? De te deixar ir.”


No tempo certo, Sara foi mãe. Quis sê-lo. Há mulheres que não querem, “que não sentem vontade nenhuma de ser” e mulheres que não têm filhos mas que gostavam de ter sido mães. “É uma decisão. Ser mãe não é fácil. É que Ser Mãe é tão difícil.”

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