“Para mim, a menstruação era exatamente o oposto de um mar de rosas.”
Ler Poema(poema inspirado na história de endometriose e adenomiose da Bárbara)
O problema é meu.
Foi o que pensei durante muito tempo.
Quando o meu corpo fez de mim mulher
E grande parte do meu tempo foi passado a sofrer.
Mas se é normal
Se “faz parte”
Que parte de mim é que não estava capaz?
Menstruei aos 11 anos. Mas só aos 30 descobri.
Comecei por tratar a doença por você. Como aquela pessoa desconhecida sobre a qual não sabemos nada
Nem o apelido, nem a morada
Mas quando lhe damos um nome, ela ganha uma forma
E aí eu percebi que o sentia não podia ser norma.
Foi numa consulta de fertilidade que a conheci.
Entrei cheia de sonhos e saí recheada de perguntas.
Endometriose
Uma palavra longa, difícil de dizer
Mas ainda mais difícil de conhecer.
Desvalorizavam o que sentia
Como se o meu corpo fosse um ator mentiroso que não sabia o que dizia
Mas naquele dia percebi
Não era da minha cabeça
Tudo o que passei
Tudo o que vivi
Foi real. A minha dor. É real.
Houve tempos em que me calei
Fingi não sentir o que sentia
Calei a minha dor
Fingi que não sofria
A menstruação alterou muitos momentos da minha vida
Coisas que deixei de fazer porque sabia que a qualquer altura
Ela,
Podia chegar. A dor. Agoniante. Incapacitante. A hemorragia constante.
Endometriose.
Sei que não sou a doença que tenho
Que não é ela que me define
Mas acima de tudo, sei que não estou sozinha
Que ao virar da esquina
Existirá sempre alguém
Alguém que sabe
Que já viveu
Que está a viver
Que já sentiu
Que está a sentir
E a esse alguém
A essa mulher,
Agora eu posso dizer: o problema não é teu.
(poema inspirado na história de mulher no desporto da Sofia)
“Bola” foi a primeira palavra que me saiu da boca
Mesmo antes de saber dizer todas as outras
Como se o destino já soubesse que seria no desporto
Que eu iria encontrar todo o conforto
Para ser Mulher num mundo de homens
Se o estigma já é difícil de combater
Mais difícil se torna quando não conseguem compreender
Tens de provar o dobro
Fazer o dobro
Ser o dobro
Menstruação.
Tinha 13 anos quando conheci o conceito
Mesmo não sabendo nada a seu respeito.
Ia para um treino e
De repente
Aconteceu
O meu corpo cresceu
Amadureceu
Na altura não contei a ninguém
Não estava preparada
Nunca tinha sido tema
Será que era meu o problema?
Há muita coisa que não te contam sobre este acontecimento
Sabias que altera o teu rendimento?
Há o cansaço extremo
A falta de ferro
A irritação
Frustração
Se eu tiver um mau torneio
Diz-se logo, sem rodeio:
Está lesionada
Teve um dia mau
Está com um problema pessoal
Nunca “está com a menstruação” como parte da equação
“Tem as hormonas aos saltos” como se fosse uma brincadeira
Como se a menstruação não me tivesse alterado a vida inteira
É preciso quebrar o estigma
Insistir em torná-la tema
Sem pena
Mas com informação
Não há nada a temer
É o corpo a crescer
Deixar de sussurrar
Como se fosse um crime
E começar a tratar o tema pelo que é - normal
Bárbara tinha 11 anos quando menstruou pela primeira vez. Estava preparada e consciente para a realidade que ia enfrentar – desde pequena que via a mãe sofrer intensamente com dores menstruais. “Era uma menina e tinha plena noção de que a minha mãe já sofria muito. Via-a com muitas hemorragias, a não conseguir sair de casa. E lembro-me perfeitamente do momento em que menstruei e ter pensado que a partir daí ia começar a ter uns dias complicados também, como via a minha mãe a ter.” A mãe de Bárbara nunca foi diagnosticada com endometriose, mas as duas filhas sim. “Para mim, a menstruação já era exatamente o oposto daquela ideia de vou-me tornar mulher.”
Bárbara recorda as dores e as hemorragias intensas que marcaram a sua vida desde a primeira menstruação. “Muitas vezes o que acontece é termos aquela ideia de que nós é que não aguentamos a dor, que somos nós que não temos estrutura para aguentar. Porque se muita gente nos diz que é normal, que faz parte, que temos de aguentar...”, começa por contar. “Em muitos momentos, aquilo que eu senti foi que eu é que não tinha estrutura para aguentar aquela dor. Embora eu conseguisse aguentar muito bem todas as outras dores”, acrescenta.
Apesar de ter visto a mãe a sofrer e de ela própria sentir dores “agoniantes”, durante anos sofreu em silêncio. “A dor era tão desesperante, tão incapacitante, tão forte, que eu tinha momentos em que desejava morrer. Nunca pensei em fazê-lo. Pensei: okay, eu não aguento, não tenho estrutura. Porque são dores que não passam e não passam com analgésicos. E cheguei a tomar analgésicos de uma forma muito pouco controlada, porque o desespero era tremendo”, confessa.
Chegou a pensar que a dor podia ser psicológica, o que fez com que, ao longo dos anos, Bárbara guardasse para si uma série de sintomas debilitantes. “Eu sentia que não estava bem, mas ia ao médico e não havia nada que justificasse os sintomas que eu tinha. Sempre que possível e sempre que não era visível, guardava para mim. E às vezes até era visível nas expressões, mas muitas vezes disfarçava”, partilha. A frustração aumentava com a falta de diagnóstico preciso e com os médicos que não conseguiam compreender a extensão de seu sofrimento.
“Tive hemorragias logo desde muito nova. Quando comecei a menstruar, menstruava sempre durante sete dias, às vezes um bocadinho mais e sempre com imensa intensidade. Nessa altura, usava penso no tamanho super e tampão. Agora mais recentemente já usava cueca menstrual também. Usava tudo ao mesmo tempo e, mesmo assim, tinha plena noção de que, às vezes, meia hora depois, tinha de ir trocar tudo”, recorda.
As hemorragias descontroladas traziam consequências – “a ferritina sempre em baixo, as anemias, a fraqueza”. Além das hemorragias, havia outro sintoma que hoje sabe que está relacionado com a endometriose: as alterações intestinais. “Tinha sempre uns quadros muito intensos de diarreia antes e durante a menstruação. No tempo todo. E é um dos sintomas da endometriose. Pode ser obstipação, pode ser um quadro de diarreia.”
A desvalorização dos médicos faz-te sentir pouco normal e isso é o que acontece com muitas mulheres
Foi apenas após inúmeras queixas, consultas, idas às urgências e até uma cirurgia para retirar pólipos no endométrio que Bárbara finalmente recebeu o diagnóstico de endometriose e adenomiose. Foi na primeira consulta de infertilidade. “Eu entro ali cheia de sonhos e de repente saio a pensar: o que é que se passa comigo, o que é que eu tenho?” Bárbara nunca tinha ouvido falar de endometriose. “Eu, quando tive o diagnóstico, comecei por tratar a doença por você, porque eu não fazia ideia do que era endometriose, quem me fez o diagnóstico não me explicou o que era endometriose.”
Receitaram-lhe pílulas, disseram-lhe que não havia nada a fazer. “Mais assustador é pensar que ainda hoje continua a acontecer. Já se sabe que a endometriose existe, mas temos muitos casos de mulheres a quem os médicos dizem para engravidar que isso passa.” A endometriose pode ter consequências muito graves – “mulheres que perdem um rim, que ficam com o útero comprometido, que perdem parte do intestino”. “Se não estivesse a tentar engravidar, se calhar iria continuar até chegar a um ponto mesmo crítico.”
Bárbara não foi logo seguida por um médico. “Quando fui oficialmente diagnosticada por uma médica especializada na área, já tinha endometriose profunda, já bastante avançada”, explica. “Essa médica diz que é endometriose e adenomiose e que sabe que eu tenho dores de morte, aí sim é que me cai a ficha.” A validação de dor trouxe uma emoção tremenda. “Afinal, isto não é da minha cabeça. Afinal, há uma razão para tudo aquilo por que eu passei até hoje.” Bárbara foi operada mais duas vezes para retirar focos da endometriose.
Dizerem-te que a tua dor é real é muito emotivo. É quando começamos a olhar para trás e a perceber que tudo o que passámos, tudo o que vivemos, e tudo o que nos passou pela cabeça, afinal, tem uma justificação
O impacto da doença na vida de Bárbara foi profundo e abrangente. A jornada para a maternidade foi marcada por tratamentos de fertilidade dolorosos e emocionalmente desgastantes. “Tentei engravidar mesmo entre as operações. Tentei engravidar até 2017, que foi quando fiz o último tratamento de fertilidade”, relembra, destacando os desafios que enfrentou. Apesar de cinco tentativas, “sempre com esperança”, nunca conseguiu engravidar. “Sempre achei que ia dar a volta à doença e que ia conseguir”, diz. “Nunca tivemos um positivo. E isso foi algo que eu agradeci, de alguma forma. Correndo o risco de abortar por causa da adenomiose, eu preferia não engravidar.”
A decisão de “desistir de ser mãe” foi dolorosa, mas necessária. “Chegámos à conclusão de que estava na altura de mudarmos o nosso foco. Desistir é uma palavra forte, mas acho que decidimos que deveríamos ficar por ali.” O caso de Bárbara era complicado, a doença tinha avançado bastante, os ovários não produziam embriões suficientes em cada tratamento. “Cheguei a ter médicos que diziam que eu tinha obrigação para mais.” Bárbara não consegue esconder a revolta ao recordar este episódio. No último tratamento percebeu que “já era o desespero”. Transferiram três embriões, o que é raro por causa das gravidezes de trigémeos. “Eu e o meu marido chegámos a um ponto em que conversámos um com o outro e tentámos perceber se valeria a pena continuarmos a passar por aquilo... Um processo não só muito emocional, mas também muito físico, porque os tratamentos não são fáceis, temos de injetar o nosso corpo constantemente, mas aquilo também pode ter consequências na endometriose... E decidimos que deveríamos ficar por ali.”
A partir desse ponto, Bárbara concentrou-se em melhorar a qualidade de vida, mudou a alimentação, começou a praticar pilates, a fazer caminhadas, e a investir mais no bem-estar emocional. “Alimento também muito bem as minhas emoções, porque a dor não é só física.” Como psicóloga, diz que nesta matéria “acaba por ter uma vantagem”. “Existe aqui um lado emocional que também tenho de trabalhar para que isto não me afete. Aprendi a dizer não, que é uma coisa muito importante. Às vezes não estamos no nosso melhor e eu tive de aprender a dizer não para me proteger e para me cuidar.”
A menstruação alterou muitos momentos da minha vida. Há muitas coisas que não fiz exatamente por saber que iria ter sempre esse problema, que iria sempre ser algo muito complicado. Houve momentos de dor que me impediram de viver em pleno muitos momentos da minha vida
A endometriose não tem cura – “só se controla, correndo o risco de algum dia ter de ser operada outra vez”. Para a adenomiose, a única cura é a histerectomia. “Eu já sabia que mais tarde ou mais cedo iria chegar a esse ponto porque a adenomiose estava cada vez mais profunda.”
Nos últimos anos, por causa da adenomiose, Bárbara chegava a estar três semanas com hemorragias. “As três semanas em que o normal no ciclo menstrual era não ter menstruação, no meu caso era o período do mês que tinha com hemorragias.”
Aos 43 anos, com as hemorragias cada vez mais intensas e incapacitantes, Bárbara optou pela histerectomia. “Não conseguia trabalhar, não me conseguia levantar, não conseguia sair de casa. Tinha as hemorragias semanas e semanas seguidas.”
“Com uma adenomiose muito grave, tendo já tomado a decisão de não engravidar, mesmo que eu achasse que ainda queria fazer algum tratamento, eu acho que ali já não seria viável. Não entrei em menopausa precoce porque conservei ovários e isso foi bom. Tive tempo para trabalhar essa ideia e para me preparar para esse momento”, diz. Após a cirurgia, as dores incapacitantes tornaram-se mais esporádicas, mas a endometriose continua a afetar sua vida. “Atualmente existe medicação mesmo própria para a endometriose. Eu faço a pílula, porque continuo a ter ovários, também para controlar a doença. E tenho os analgésicos, os normais e os de SOS.” Não sai de casa sem eles – “mesmo na bolsa mais pequena”.
Até porque Bárbara, em jeito de brincadeira, fala-nos do trauma da dor. “Tinha medo de que chegasse a altura do mês da menstruação. E hoje tenho uma médica de família que diz que eu fiquei com trauma da dor, porque assim que eu noto que pode vir aí uma crise de dor, a primeira coisa que eu faço é logo tomar um comprimido de SOS”, partilha. “Eu consigo perceber que dor é que vem aí, uma dor que fica o dia inteiro ou uma dor daquelas que vai agudizar e que me vai impedir de fazer alguma coisa, ou de me sentir minimamente bem. A dor pode ser muito, muito marcante.”
Curiosamente, agora estou numa fase em que a dor é quase diária, mas é uma dor tolerável
“Não só é difícil falar sobre menstruação, mas também é difícil para muitas mulheres falar sobre endometriose e muito mais difícil ainda falar sobre infertilidade”, diz. “As mulheres têm muita dificuldade em assumirem a infertilidade, em falar, e em se sentirem acompanhadas também, às vezes quase com um colo dado, num processo que é tão exigente. E eu falo sobre isso com toda a naturalidade, porque eu sei que isso vai ajudar outras mulheres, e é um bocadinho pegar nesta coisa menos boa da minha vida, neste processo todo, e poder fazer algo de positivo com ele”.
Hoje, ao olhar para trás, Bárbara faria algo diferente? “Com aquilo que me foi dado, não sei se seria possível ter feito diferente. Sozinha teria sido difícil. Mas o conselho que dou sempre hoje é falar ao médico sobre as dores e os sintomas, e se o médico não valoriza, procurar outro médico, e se esse médico não valoriza, procurar até que algum médico nos escute. E era isso que eu gostava de ter feito. Era ter chegado e ter insistido até encontrar um médico que me tivesse escutado.”
Eu costumo dizer que, quer a menstruação, quer a endometriose, a adenomiose, se fossem questões de todos, não eram tabus. Mas como só diz respeito às mulheres, e nós ainda vamos buscar muita coisa dos nossos antepassados, do esconder, do fingir que está tudo bem...
Um conselho para todas as mulheres: “Conheçam bem o ciclo menstrual, percebam os vários sintomas que podem ter ao longo do ciclo. O importante é cada mulher conhecer muito bem o seu corpo, os sintomas e valorizar tudo, mesmo o que acham que pode nem sequer estar associado. O importante é todas as mulheres perceberem que o ciclo menstrual é um aspeto muito importante. Perceber como é que está a saúde menstrual. E é sobre isso também que precisamos de falar. Sobre a menstruação, sobre a saúde menstrual, sobre o ciclo menstrual, e estarem mesmo muito atentas aos seus corpos.”
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O problema é meu.
Foi o que pensei durante muito tempo.
Quando o meu corpo fez de mim mulher
E grande parte do meu tempo foi passado a sofrer.
Mas se é normal
Se “faz parte”
Que parte de mim é que não estava capaz?
Menstruei aos 11 anos. Mas só aos 30 descobri.
Comecei por tratar a doença por você. Como aquela pessoa desconhecida sobre a qual não sabemos nada
Nem o apelido, nem a morada
Mas quando lhe damos um nome, ela ganha uma forma
E aí eu percebi que o sentia não podia ser norma.
Foi numa consulta de fertilidade que a conheci.
Entrei cheia de sonhos e saí recheada de perguntas.
Endometriose
Uma palavra longa, difícil de dizer
Mas ainda mais difícil de conhecer.
Desvalorizavam o que sentia
Como se o meu corpo fosse um ator mentiroso que não sabia o que dizia
Mas naquele dia percebi
Não era da minha cabeça
Tudo o que passei
Tudo o que vivi
Foi real. A minha dor. É real.
Houve tempos em que me calei
Fingi não sentir o que sentia
Calei a minha dor
Fingi que não sofria
A menstruação alterou muitos momentos da minha vida
Coisas que deixei de fazer porque sabia que a qualquer altura
Ela,
Podia chegar. A dor. Agoniante. Incapacitante. A hemorragia constante.
Endometriose.
Sei que não sou a doença que tenho
Que não é ela que me define
Mas acima de tudo, sei que não estou sozinha
Que ao virar da esquina
Existirá sempre alguém
Alguém que sabe
Que já viveu
Que está a viver
Que já sentiu
Que está a sentir
E a esse alguém
A essa mulher,
Agora eu posso dizer: o problema não é teu.
(poema inspirado na história de mulher no desporto da Sofia)
“Bola” foi a primeira palavra que me saiu da boca
Mesmo antes de saber dizer todas as outras
Como se o destino já soubesse que seria no desporto
Que eu iria encontrar todo o conforto
Para ser Mulher num mundo de homens
Se o estigma já é difícil de combater
Mais difícil se torna quando não conseguem compreender
Tens de provar o dobro
Fazer o dobro
Ser o dobro
Menstruação.
Tinha 13 anos quando conheci o conceito
Mesmo não sabendo nada a seu respeito.
Ia para um treino e
De repente
Aconteceu
O meu corpo cresceu
Amadureceu
Na altura não contei a ninguém
Não estava preparada
Nunca tinha sido tema
Será que era meu o problema?
Há muita coisa que não te contam sobre este acontecimento
Sabias que altera o teu rendimento?
Há o cansaço extremo
A falta de ferro
A irritação
Frustração
Se eu tiver um mau torneio
Diz-se logo, sem rodeio:
Está lesionada
Teve um dia mau
Está com um problema pessoal
Nunca “está com a menstruação” como parte da equação
“Tem as hormonas aos saltos” como se fosse uma brincadeira
Como se a menstruação não me tivesse alterado a vida inteira
É preciso quebrar o estigma
Insistir em torná-la tema
Sem pena
Mas com informação
Não há nada a temer
É o corpo a crescer
Deixar de sussurrar
Como se fosse um crime
E começar a tratar o tema pelo que é - normal
A menstruação, parte natural da vida das mulheres, é ainda hoje tratada como um tabu. E são histórias como as de Sofia que nos ajudam a tratar o tema de forma honesta e sem filtros. Sofia começou a praticar desporto desde cedo. “Sempre gostei de fazer desporto, desde miúda. Aliás, a minha primeira palavra foi bola. Nem pai, nem mãe, foi logo bola”, partilha com um sorriso. Com uma paixão insaciável pelo desporto, experimentou várias modalidades ao longo dos anos, incluindo voleibol, equitação, natação e futsal, até que descobriu o padel, desporto em que compete atualmente.
A primeira menstruação de Sofia chegou um pouco de surpresa, num momento em que não tinha a mãe para lhe explicar o que estava a acontecer. “Não estava de todo preparada”, diz. “Ia para o treino de voleibol. E, de repente, tinha sangue. Pensei: não vou dizer nada ao meu pai, que vergonha, o que é que eu vou dizer?” Sem saber bem o que fazer, improvisou com papel higiénico e comprou pensos higiénicos de todos os tipos no supermercado. “Nem sabia os tamanhos. Comprei de tudo… De noite, dia, super. Só não comprei tampões.” Não contou a ninguém durante uns dias.
Deixou-se levar pelo improviso no primeiro dia. “Pensei: ponho um penso e levo mais alguns no saco. E levo uns calções pretos para o treino. E correu bem”, conta. “Passaram esses dias e eu só pensava: mas isto nunca mais acaba?”. Contou à irmã mais velha “uma semana e tal depois”. Sofia sabia que ia eventualmente acontecer – “não sabia era quanto tempo durava, o que tinha de fazer…” – e por isso não ficou assustada. “Tive sorte porque foi em casa. Tinha acabado de sair da escola e fui a casa para me trocar antes de ir para o treino.”
Nos primeiros anos, adaptar-se à menstruação durante os treinos e competições foi um desafio. Os calções do voleibol tornaram desconfortáveis durante os dias de menstruação e Sofia teve de se ajustar. “Os calções de voleibol são superjustos. E depois não queres usar aquelas cuecas grandes. Porque fica marcado nos calções. Comecei a usar calções mais largos. Todas de calções justinhos e eu de calções mais largos. Adaptei tudo.”
A verdade é que a menstruação não só afeta o bem-estar e o emocional, como também afeta o desempenho físico e, para Sofia, esta é uma temática nem sempre percetível. “A menstruação afeta o teu rendimento, a tua performance. Supostamente nós [mulheres] temos mais força. Eu não sinto que tenha mais força, antes pelo contrário. Perdemos muito ferro. Precisamos de suplementos que tenham ferro, nessas alturas, para estarmos equilibradas.”
Sentes-te muito cansada, sentes-te com mau humor. O normal, que nós todas podemos sentir. Há alguns clichés, mas é o que sentimos. Estamos a fazer desporto, estamos cansadas emocionalmente e fisicamente, as hormonas estão todas um turbilhão
Há exercícios que Sofia confessa que são mais desconfortáveis quando está menstruada. “Estás a saltar ou tens de trabalhar a explosão para estares rápida em campo… Não são exercícios muito simpáticos quando estamos com o período.” Em campo, tem sempre alguns cuidados. “Gosto muito de usar equipamentos brancos e, nessa altura, evito ao máximo. Nas trocas de campo, sento-me no banco e olho sempre… Tenho de ser mais forte mentalmente nestas fases.”
Como atleta, o apoio dos treinadores, fisioterapeutas, personal trainers, foi essencial para gerir melhor as diferentes fases do ciclo menstrual. Há seis anos a jogar padel, treina todos os dias e faz ginásio três vezes por semana. Compete em “20 e tal torneios por ano”. Não há propriamente conversas entre jogadores sobre o assunto. “Por mais estranho que pareça, até falei mais com homens, com treinadores, tanto PT como treinadores de voleibol ou de padel.” Habituados a treinar muitas jogadoras – “de futsal, de futebol” –, Sofia diz que já estão mais preparados e à vontade para falar sobre este tema. “Este meu novo treinador fez-me uma pergunta que nenhum outro treinador me fez, que foi: preciso de saber quando é que é a tua menstruação, porque vou adaptar os treinos para ti, tenho de perceber como é que tu estás para te conseguir ajudar a tirares o melhor do treino.”
Para Sofia, falar sobre o tema entre as mulheres desportivas devia ser mais comum. “Acho que já temos tanta informação que podemos passar às futuras atletas, não tem de ser um problema. Acho que temos de apresentar mais soluções e não ser aquele clássico de alguém está com o período, precisa de um tampão, e passamos assim às escondidas, parece que estamos a fazer alguma coisa ilegal. Podemos passar para as novas gerações coisas que nós já sabemos, as que tentamos fazer dentro das nossas famílias, mas se calhar também, sendo atletas, passar esse testemunho e falarmos dos assuntos que não têm de ser nenhum tabu.”
Inclusive falar de temas como a pobreza menstrual, que impede muitas jovens de participar em atividades desportivas e de frequentar a escola. “É importante falar sobre a pobreza menstrual. Não faz sentido, só por ser mulher, não poder ir à escola por estar nessa fase do mês. De alguma forma podemos ajudar as pessoas.”
Falar abertamente sobre a menstruação, sem tabus, partilhar experiências, permite às mulheres continuarem a fazer a sua vida sem que a menstruação seja um impedimento. “Cada mulher é única e a solução que funciona para uma pode não funcionar para outra, mas o mais importante é não ter medo de falar e procurar o melhor para si.” “É importante falar do assunto para que depois as pessoas que estão nessa situação se sintam à vontade para explicar e não ter vergonha, não achar que são as únicas no mundo”, reforça.
A maior dificuldade surgiu já depois de Sofia ter colocado um DIU, algures aos 23 anos. Na altura, a terminar a carreira de voleibolista, Sofia sentiu “imensas dores”. “Uma vez no voleibol comecei com uma dor e eu até pensava que era uma paragem de digestão. Enrolei-me de tal maneira à barriga… Estava tão contraída. E ainda fiquei dois dias até conseguir estar direita”, conta.
As dores eram tão intensas que afetavam o seu desempenho e bem-estar, obrigando-a a parar de jogar, inclusive durante uma competição. “Ter aquelas dores que já tive quando estava num torneio… Ficas mais nervosa, ficas mais ansiosa. Só me aconteceu uma vez, a meio de um torneio, e eu tive de parar. Não consegui, tive de ir para casa. Não consegui mesmo.”
Era uma dor horrível. O médico dizia que é normal nas mulheres, e eu só pensava: não é bem normal, eu falo com amigas e não ficam dois dias de cama, assim, todas curvadas. Horrível. Estava a tornar-se insuportável
Sofia sentia estas dores de dois em dois meses – “porque era com um dos ovários que eu sentia imensas dores” – e só quando mudou de ginecologista percebeu que estava relacionado com o DIU. Chegou a considerar que podia ser ela própria a causadora das dores. “A menstruação já não me estava a deixar viver. Não estava a conseguir fazer desporto, que é uma coisa que eu adoro. E quando se torna impeditivo… Já estás em stress. Achas que podes ter aquelas dores e já começas a pensar nisso. Até senti que era eu a provocar as dores.”
Decidiu remover o DIU e voltar a tomar a pílula. “Há pessoas a quem corre muito bem, há outras pessoas a quem não corre assim tão bem. E a mim não correu assim tão bem. Para mim, [a pílula] foi o melhor que aconteceu.” As dores pararam, a menstruação voltou a ser regular – “agora estou três semanas bem e uma menos bem”. Encontrar “a solução” foi um descanso para Sofia. “Há mulheres que têm problemas e não sabem muito bem se é a pílula, se é o DIU, se é isto, se é aquilo. Cada pessoa é um caso. E temos de tentar encontrar as melhores soluções para nós.”
A minha visão da menstruação nem é positiva, nem é negativa. Sou muito neutra. Se existe é para alguma razão. Não é negativo. Já foi. Positivo, acho que é difícil para mim ser positivo, mas hoje em dia é tranquilo. É o que é
Hoje, Sofia trata a menstruação de uma forma normal. Lida com a menstruação de uma forma que não a impede de perseguir os seus objetivos.
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