“A magreza, que para muitos era um privilégio, para mim tornou-se uma fonte de insegurança.”
Ler Poema(poema inspirado na história de Inês)
“Olívia palito”
“Quase que desapareces com o vento”
“Olha a mania das dietas”.
Palavras foram muitas
Corriam-me a pele, a tentar tocar
Mas tentei sempre que não me chegassem a afetar.
Desde que sou, sou assim
Magra.
Na minha família, o peso e a altura sempre foram uma constante
E o meu corpo só se tornou mais frustrante
Na adolescência, quis outra forma,
Mais mulher, mais curva, outra norma.
Mas nunca parei.
A irreverência calou a insegurança e segui
Sensualidade
Vaidade
Era o que queria sentir
Mas o que senti foi a insensibilidade, a crueldade.
Comentários “inofensivos” que se tornavam corrosivos.
“Esta aqui faz dieta”
“como és magra, podes comer tudo”
“Não comes porquê? Para não engordares?”
Olhares que vinham de mulheres, tão perto,
E não devíamos, nós, ser escudo?
Apoiar e abraçar,
E não criticar?
A magreza que os outros invejam,
Foi o que me fez querer desaparecer.
O preconceito era outro
Não era a “gorda”, mas era a “magra”,
Também minoria, também julgada.
É preciso normalizar
Sentir, aprender a olhar,
Compreensão
Empatia
Para que o espelho devolva, um dia,
Um corpo em paz,
Que a saúde não é vaidade.
E que o ser de alguém
Não se mede nem se pesa.
(poema inspirado na história de Andreia)
Espelho meu, espelho meu
Haverá alguém que te evite tanto quanto eu?
Houve um tempo sem consciência,
Quando o verbo pensar não era um peso.
Depois vieram os dias de escolhas,
Camisolas compridas? Check.
Calças largas? Check.
Casacos longos? Check.
Tudo em cheque, menos o meu amor por mim.
Se o que vejo no ecrã não é o que vejo em mim,
Como amar um reflexo que me causa aversão?
Com a idade é suposto ganhar mais confiança
Esperarias que o aspeto físico não tivesse tanta importância
Mas no meu caso, não é assim.
O tempo passou, mas o peso ficou.
Comentários, dietas, comparações
Redes sociais que gritam o que devia ser,
E eu a encolher-me no que sinto estar a mais.
Roupa três tamanhos acima,
Para esconder o que nem eu consigo aceitar.
“Não tenhas cuidado, não”
“Qualquer dia rebentas”
Palavras pequenas, invasivas,
Que me trouxeram ao ciclo:
Pesos, vómitos, compulsões.
Queria sair, queria parar,
Mas como, se até eu me julgo?
É preciso fazer algo.
Perceber, pedir ajuda, mudar.
Quero sair deste ciclo, quero soltar,
Mas e se perder o que chamo 'controlo'?
E se, ao mudar, não souber regressar?
O corpo é meu,
E a paz há de vir
Um dia, sem luta.
Custe o que custar,
Eu hei de lá chegar.
O meu corpo
A minha paz
O meu amor
Por mim.
Para Inês, crescer enquanto mulher nunca foi apenas uma questão de idade, mas um exercício constante de aprender a lidar com olhares, opiniões e, sobretudo, com o peso das palavras. Desde cedo, o corpo feminino é posto sob uma lente de escrutínio, em que a linha entre o elogio e a crítica é tão ténue que, por vezes, se torna indistinguível.
“Recordo-me da minha infância, em que as primeiras observações sobre o meu corpo eram, na maioria das vezes, carinhosas, quase inofensivas. Comentários de familiares que falavam da minha magreza como algo engraçado ou único. Na altura, não pareciam pesar, mas, aos poucos, comecei a perceber como esses comentários formavam uma narrativa que me acompanharia durante anos”, partilha Inês.
Na escola, tudo mudou. As crianças, sendo crianças, têm um dom natural para encontrar o que é diferente e torná-lo assunto. Para elas, Inês era “a magricela”, aquela que parecia desaparecer dentro das roupas ou que tinha “as pernas fininhas”. Esses comentários, muitas vezes lançados em tom de brincadeira, começaram a moldar a forma como via o seu corpo. Havia dias em que olhava para o espelho e perguntava: “Será que há algo de errado comigo?”
Quando entrou na adolescência, os olhares e os comentários tornaram-se mais frequentes – e mais duros. Essa fase da vida, já de si tão confusa e desafiadora, trouxe uma pressão nova: a de parecer feminina. Enquanto outras raparigas exibiam com orgulho as suas formas, que começavam a ganhar curvas, sentia que o seu corpo não correspondia às expectativas. “És tão magrinha!”, ouvi vezes sem conta. E apesar de todos dizerem que era “um elogio”, havia algo naquele tom que fazia Inês sentir-se deslocada.
Na adolescência, quando comecei a assumir mais o meu lado feminino, sentia-me menos atraente em comparação com outras mulheres. A magreza, que para muitos era um privilégio, para mim tornou-se uma fonte de insegurança.
“Comecei a esconder-me por detrás de roupas largas, a evitar espelhos e a pensar duas vezes antes de me juntar a um grupo de amigas na praia. O meu corpo parecia sempre o assunto principal – e raramente pelas razões certas”, diz. Porém, em vez de mostrar essa insegurança, criou uma espécie de armadura. “Ria-me dos comentários, fazia piadas sobre mim mesma, como se isso bastasse para diminuir o impacto.”
Mas a verdade é que não bastava. Por muito que tentasse ignorar, os comentários deixavam marcas. Não eram apenas as palavras, mas os olhares – especialmente os das outras mulheres. Era uma contradição que não conseguia entender: enquanto umas desejavam o meu corpo, outras olhavam para ele com reprovação, como se a magreza fosse uma afronta pessoal.
Os profissionais de saúde, muitas vezes, desvalorizam a magreza. Ouvi de médicos comentários como: ‘Há tanta gente que queria ser como tu’
Essa contradição revelou-se também em situações nas quais procurou ajuda profissional – a desvalorização da situação era evidente. Recorda-se de ouvir de médicos comentários como: “Há tanta gente que queria ser como tu”, ignorando completamente as dificuldades que enfrentava para alcançar o equilíbrio desejado. “A magreza era vista como um privilégio, e não como algo que, em certos momentos, afetava a minha saúde física e mental. Era frustrante perceber que, para muitos, o desejo de emagrecer parecia invalidar as preocupações de quem, como eu, precisava de encontrar formas de ganhar peso e manter uma relação saudável com o corpo.”
Com o tempo, Inês percebeu que essa relação conturbada com o seu corpo não era exclusiva. Todas as mulheres, independentemente do seu peso, altura ou forma, enfrentam algum tipo de julgamento. “O corpo feminino está constantemente sob escrutínio. É quase como se fosse um espaço público, em que todos sentem que têm o direito de opinar”, reflete.
A magreza era vista como um privilégio, e não como algo que, em certos momentos, afetava a minha saúde física e mental. Era frustrante perceber que, para muitos, o desejo de emagrecer parecia invalidar as preocupações de quem, como eu, precisava de encontrar formas de ganhar peso e manter uma relação saudável com o corpo
Quando chegou à idade adulta, começou a perceber que o problema não era o seu corpo, mas a forma como este era interpretado pelos outros. Inês passou a questionar: “Por que motivo os corpos das mulheres estão sempre sujeitos a estas expectativas? Porque é que, ao contrário dos homens, o valor de uma mulher parece estar tão frequentemente associado à sua aparência?”
Durante algum tempo, a dificuldade em engravidar trouxe um novo peso à relação com o seu corpo. Pensamentos inquietantes começavam a surgir: “Será que o meu corpo, tão frequentemente criticado e escrutinado, seria agora incapaz de cumprir uma das funções mais naturais da vida?” Procurar respostas nos profissionais de saúde revelou-se uma experiência desafiante, pois, mais uma vez, a magreza foi tratada como algo irrelevante e até desejável. Contudo, o que mais marcou Inês nesse período não foi a atitude distante dos médicos, mas um comentário profundamente insensível vindo de uma pessoa próxima, que sabia das suas dificuldades: “Não engravidas porque não queres estragar o corpinho.” Aquelas palavras ecoaram de forma cruel, invalidando não só os seus esforços, mas também a dor que carregava em silêncio.
Anos depois, entretanto numa nova relação, a maternidade trouxe um novo capítulo nesta história. Quando engravidou, um dos primeiros pensamentos que teve foi: “Será que o meu corpo magro é capaz de sustentar uma gravidez saudável? Perguntei isso à minha médica, que me tranquilizou, mas a dúvida persistia.” Não ajudava o facto de os comentários continuarem: “Nem grávida engordas!”, diziam, como se o meu corpo não fosse suficiente até mesmo para esse papel.
No entanto, foi também durante a gravidez que começou a olhar para o seu corpo com mais ternura. Cada mudança, por menor que fosse, parecia uma prova da sua força. O mesmo corpo que durante anos foi alvo de comentários e críticas estava agora a gerar vida. E isso, mais do que qualquer outra coisa, fez Inês perceber que nunca houve nada de errado consigo.
“Hoje, olho para trás e percebo como os comentários alheios moldaram a forma como vi o meu corpo durante tanto tempo. Não é fácil desligar as vozes externas, especialmente quando elas começam tão cedo e vêm de pessoas próximas. Mas aprendi que a única opinião que importa é a minha.”
O corpo feminino está constantemente sob escrutínio. É quase como se fosse um espaço público, em que todos sentem que têm o direito de opinar
Ainda vivemos numa sociedade que trata os corpos como tendências de moda, como algo que pode ser alterado para se adequar aos padrões do momento. Já passámos pela fase da magreza extrema, pelo culto das curvas exageradas, e agora parece que estamos num momento de celebração da “diversidade”. Mas será que essa aceitação é verdadeira? Ou é apenas mais um padrão disfarçado de inclusão?
“O que sei hoje é que o julgamento nunca desaparece completamente. Apenas muda de forma. Mas cabe a nós decidir como lidamos com ele. Para mim, a resposta tem sido simples, mas poderosa: parar de tentar corresponder às expectativas dos outros. O meu corpo é meu – e isso é tudo o que importa”, conclui Inês.
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“A magreza, que para muitos era um privilégio, para mim tornou-se uma fonte de insegurança.”
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“Olha a mania das dietas”.
Palavras foram muitas
Corriam-me a pele, a tentar tocar
Mas tentei sempre que não me chegassem a afetar.
Desde que sou, sou assim
Magra.
Na minha família, o peso e a altura sempre foram uma constante
E o meu corpo só se tornou mais frustrante
Na adolescência, quis outra forma,
Mais mulher, mais curva, outra norma.
Mas nunca parei.
A irreverência calou a insegurança e segui
Sensualidade
Vaidade
Era o que queria sentir
Mas o que senti foi a insensibilidade, a crueldade.
Comentários “inofensivos” que se tornavam corrosivos.
“Esta aqui faz dieta”
“como és magra, podes comer tudo”
“Não comes porquê? Para não engordares?”
Olhares que vinham de mulheres, tão perto,
E não devíamos, nós, ser escudo?
Apoiar e abraçar,
E não criticar?
A magreza que os outros invejam,
Foi o que me fez querer desaparecer.
O preconceito era outro
Não era a “gorda”, mas era a “magra”,
Também minoria, também julgada.
É preciso normalizar
Sentir, aprender a olhar,
Compreensão
Empatia
Para que o espelho devolva, um dia,
Um corpo em paz,
Que a saúde não é vaidade.
E que o ser de alguém
Não se mede nem se pesa.
(poema inspirado na história de Andreia)
Espelho meu, espelho meu
Haverá alguém que te evite tanto quanto eu?
Houve um tempo sem consciência,
Quando o verbo pensar não era um peso.
Depois vieram os dias de escolhas,
Camisolas compridas? Check.
Calças largas? Check.
Casacos longos? Check.
Tudo em cheque, menos o meu amor por mim.
Se o que vejo no ecrã não é o que vejo em mim,
Como amar um reflexo que me causa aversão?
Com a idade é suposto ganhar mais confiança
Esperarias que o aspeto físico não tivesse tanta importância
Mas no meu caso, não é assim.
O tempo passou, mas o peso ficou.
Comentários, dietas, comparações
Redes sociais que gritam o que devia ser,
E eu a encolher-me no que sinto estar a mais.
Roupa três tamanhos acima,
Para esconder o que nem eu consigo aceitar.
“Não tenhas cuidado, não”
“Qualquer dia rebentas”
Palavras pequenas, invasivas,
Que me trouxeram ao ciclo:
Pesos, vómitos, compulsões.
Queria sair, queria parar,
Mas como, se até eu me julgo?
É preciso fazer algo.
Perceber, pedir ajuda, mudar.
Quero sair deste ciclo, quero soltar,
Mas e se perder o que chamo 'controlo'?
E se, ao mudar, não souber regressar?
O corpo é meu,
E a paz há de vir
Um dia, sem luta.
Custe o que custar,
Eu hei de lá chegar.
O meu corpo
A minha paz
O meu amor
Por mim.
Desde que se lembra, a relação de Andreia com o seu próprio corpo tem sido tudo menos simples. Talvez o período mais tranquilo tenha sido durante a infância, uma altura em que o corpo não era ainda um foco de atenção ou preocupação. “Até ao quarto ano, a minha mãe escolhia a minha roupa, e eu vestia-me sem pensar muito nisso. Não me recordo de ter opiniões fortes ou de questionar o meu aspeto. Tudo parecia natural e descomplicado, como, aliás, deveria ser nessa fase da vida”, reflete.
Porém, por volta dos 12 ou 13 anos, começou a tornar-se mais consciente de si mesma. O peito começou a crescer, as ancas a alargar… essa transição foi subtil, mas marcante. “A escolha da roupa passou a ser minha, e, com ela, surgiu uma nova sensibilidade: comecei a perceber que havia coisas no meu corpo que me incomodavam. Recordo-me, em particular, de sentir uma insatisfação crescente em relação às minhas pernas. Nunca gostei das minhas pernas. Nunca gostei das minhas coxas. Não sei se era porque me comparava com as outras raparigas ou se simplesmente idealizava algo diferente”, lembra. Mesmo sem estar acima do peso nessa altura, Andreia sentia-se insatisfeita. E foi aí que começaram a surgir os primeiros sinais de insegurança.
Deixou de usar saias e vestidos. Só os vestia em ocasiões específicas, como casamentos, em que o uso de vestido era praticamente obrigatório. De resto, passou a preferir calças e roupas que cobrissem mais o corpo. A partir desse momento, a forma como se via começou a moldar as suas escolhas. Cada peça de roupa que usava era pensada para esconder aquilo que considerava serem os seus defeitos.
Essa consciência do corpo intensificou-se durante a adolescência. Os anos 1990, época em que Andreia cresceu, estavam fortemente marcados por ideais de beleza inatingíveis. A televisão, as revistas e até os videoclipes mostravam mulheres com corpos considerados “perfeitos”: magras, tonificadas e impecáveis. “Era impossível não aspirar a essa imagem, mesmo sabendo que era uma construção irreal. Ainda assim, esses ideais exerceram uma pressão enorme sobre mim. Sentia que o meu corpo não correspondia ao que via e que deveria, de alguma forma, mudar para me aproximar desse padrão.”
Quando fui para a universidade, mudei de ambiente, e ali, sem estrutura ou controlo, engordei muito. Tive comentários de familiares como ‘tens de ter cuidado’ ou ‘estás a engordar, vê lá!’ que me marcaram profundamente
Andreia nunca teve uma alimentação tradicional. Em casa dos pais, havia uma refeição diária mais estruturada e típica, mas fora desse momento, tudo era desregulado. “Se me apetecia, comia; se não me apetecia, não comia”, recorda. Essa ausência de rotina alimentar não era algo que a preocupava durante a infância ou a adolescência, mas, à medida que foi ganhando consciência do seu corpo e das suas escolhas, começou a perceber que essa relação despreocupada com a comida deixava marcas na forma como geria a alimentação em momentos de maior autonomia.
Quando foi para a universidade, a relação com o corpo passou por uma transformação ainda mais significativa. Estava longe da estrutura familiar e, pela primeira vez, era completamente responsável pela sua própria alimentação. Essa mudança trouxe uma série de desafios. Conta: “Engordei cerca de 10 quilos num curto espaço de tempo. Não tinha controlo emocional nem disciplinar sobre o que comia.” A vida universitária, com refeições rápidas, pouco saudáveis e muitas vezes irregulares, contribuiu para esse aumento de peso.
Foi nesse período que começou a ouvir comentários sobre o seu corpo. Comentários feitos por familiares, amigos ou conhecidos, muitos deles com a intenção de ser “inofensivos”, mas que a marcaram profundamente. Coisas como “Estás bonita, mas tens de ter cuidado” ou “Estás a engordar, vê lá!” tornaram-se frequentes. “Esses comentários ecoavam na minha cabeça e intensificaram a minha já complicada relação com o espelho. Cada refeição, cada pedaço de comida que punha no prato, era acompanhado por um sentimento de culpa e por uma análise rigorosa do impacto que teria no meu corpo.”
A partir desse momento, a relação de Andreia com a comida também se tornou mais tensa. Não chegou a fazer dietas restritivas nessa fase, mas começou a criar estratégias para comer menos. Por exemplo, evitava almoçar sob o pretexto de que ninguém repararia, ou comia só metade das refeições para parecer normal. Mesmo assim, não conseguia controlar o peso de forma consistente, o que aumentava ainda mais a frustração.
Após terminar a faculdade e regressar à casa dos pais, as dificuldades continuaram. Apesar de ter uma alimentação mais estruturada, com refeições familiares, Andreia sentia que o seu corpo ainda estava longe do que queria. Evitava tirar fotografias, não gostava de se ver ao espelho e tinha consciência de cada comentário feito sobre o seu aspeto. “Tornou-se impossível desligar-me dessa autoanálise constante.”
Evito situações como jantares ou festas, porque sei que vou ficar consciente do que estou a comer ou do que os outros vão pensar do que estou a comer
Com o passar do tempo, começou a adotar comportamentos mais extremos para lidar com as inseguranças. Um dos momentos mais difíceis foi quando começou a induzir o vómito depois de comer. “Lembro-me da primeira vez que o fiz. Sentia-me culpada por ter comido demais e não sabia como compensar. Na altura, parecia uma solução, mas rapidamente se tornou um círculo vicioso. Cada vez que comia algo que achava ‘errado’, recorria a esse método. Sabia que era prejudicial, mas não conseguia parar”, explica.
Esses episódios eram muitas vezes desencadeados por comentários ou situações específicas. “Podia ser um elogio que me deixava excessivamente consciente do meu corpo, ou o simples facto de vestir uma peça de roupa que achava que me expunha demasiado”, diz. Qualquer evento social que envolvesse comida tornava-se um desafio. Evitava jantares, festas ou qualquer situação em que pudesse ser julgada pelo que comia ou pelo que vestia.
“Sei que vou ficar demasiado consciente do que estou a comer ou do que os outros podem pensar sobre isso”, explica. Esses momentos, que para muitos são ocasiões de descontração, para Andreia tornam-se fontes de grande ansiedade. Desde a escolha do que pôr no prato até aos comentários alheios, tudo parece alimentar a sensação de julgamento, tanto externo como interno. Para evitar essa pressão, prefere simplesmente afastar-se, mesmo que isso signifique abdicar de momentos de convivência e de prazer.
As inseguranças em relação ao corpo também se refletiram nas relações amorosas. Andreia conta que, enquanto esteve numa relação, o seu corpo era sempre um problema. “Sentia-me muito mais consciente da minha aparência, porque, numa relação, expões-te de uma forma mais íntima, física e emocional. Houve momentos em que evitava contacto físico por sentir que as minhas fragilidades eram demasiado evidentes. É claro que isso condicionava as relações”, explica. Além disso, pensar na possibilidade de ter filhos adicionava outro nível de ansiedade. As mudanças inevitáveis no corpo durante a gravidez e o pós-parto pareciam-lhe quase impossíveis de suportar.
“O peso destas inseguranças torna a ideia de partilhar a vida com alguém – com toda a vulnerabilidade que isso implica – ainda mais complicada”, reflete.
Se no dia anterior tive uma alimentação que considero que não devia, evito pesar-me, porque sei que isso vai definir o meu humor para o dia inteiro
Neste “campo de batalha” constante, a roupa torna-se uma armadura. Quando algo não corre bem, como uma refeição que considera errada, isso pesa na escolha de Andreia sobre o que vestir no dia seguinte. Se alguém fizer um comentário sobre o seu corpo, isso fica-lhe na cabeça e afeta o que vai usar. Mesmo que a peça de roupa seja a mesma que usou em momentos em que se sentiu bem, se o seu corpo não estiver no mesmo “nível” de quando a vestiu, Andreia simplesmente não vai voltar a usá-la. O seu cérebro diz-lhe que não está no mesmo ponto e que a peça não a fará sentir-se bem. Há dias em que Andreia prefere esconder o corpo, optando por roupas largas, que lhe dão uma sensação de segurança, embora saiba que, mesmo assim, continua a estar consciente de como os outros a percebem. Com o tempo, isso torna-se uma rotina: comprar roupa com a esperança de que, num momento futuro, a poderá usar quando finalmente se sinta bem, mas, na prática, muitas dessas peças acabam por nunca sair do armário. Mesmo quando ousa comprar algo mais justo, em momentos em que se sente bem, sabe que, após um dia de inseguranças, nunca mais a vai usar, mesmo que tenha sido elogiada. “O elogio, em vez de me fazer sentir mais confortável, é muitas vezes um catalisador e só intensifica a minha consciência sobre o meu corpo. Penso: ‘alguém reparou no meu corpo!’, e acabo por associar a peça à ideia de que algo está ‘errado’ em mim”, partilha.
Atualmente, e mesmo sabendo que os comportamentos que adota são prejudiciais, a indução do vómito continua a ser uma forma de lidar com as emoções. Existe um lado de vergonha em admitir esses comportamentos, mas também uma resistência em pedir ajuda. “Parte de mim sabia que precisava de apoio, mas outra parte temia perder o controlo que achava ter sobre o meu corpo. Ao longo dos anos, fui alternando entre períodos de maior e menor equilíbrio. Houve alturas em que me convenci de que estava a melhorar, apenas para perceber que bastava um trigger – um comentário, uma situação de stress – para voltar aos velhos hábitos”, analisa Andreia.
“Hoje, vivo com uma consciência constante do meu corpo. Cada escolha que faço, desde a comida que como até à roupa que visto, está ligada à forma como me sinto em relação a ele. Há dias em que consigo evitar a balança e olhar para o espelho sem críticas, mas esses dias são raros. A maior parte do tempo, sinto que estou presa num ciclo de comparação, culpa e tentativa de controlo.”
Sei que esta é uma forma de controlo, mas também sei que este controlo é, na verdade, o problema. Apesar disso, é difícil sair deste ciclo
Andreia gostava de chegar a um ponto em que pudesse olhar para o seu corpo com aceitação. Gostava de comprar roupa sem pensar se vai “esconder” ou “disfarçar” algo. Gostava de comer sem culpa, de viver sem a pressão constante de alcançar um ideal que sabe que é irreal. Quando pensa na forma como se começou a ver na adolescência, sente que essa consciência avassaladora do seu corpo se tem agravado e não atenuado. “Olho para o espelho e tenho exatamente os mesmos problemas, mas pior, porque cada vez sinto uma pressão maior, cada vez me afetam mais”, diz.
Andreia ainda não se sente preparada para pedir ajuda, porque sabe que, ao fazê-lo, terá de enfrentar o problema de frente. Existe sempre o medo de que isso signifique lidar com algo que tem tentado evitar: o medo de engordar. A ideia de enfrentar a situação e procurar apoio traz-lhe uma sensação de perda de controlo, e o pensamento que a atormenta é sempre o mesmo: “Será que, ao procurar ajuda, vou acabar por perder o controlo e engordar?” Este receio impede-a de dar o passo em frente. A dúvida sobre se será capaz de lidar com um cenário de mudanças físicas – na sua mente, possivelmente drásticas – e de incerteza, mantém-na, por agora, presa a esta realidade pouco saudável, mas que, pelo menos, é familiar.
“Sei que esta é uma jornada longa e que os pensamentos e os comportamentos que desenvolvi ao longo dos anos não desaparecem de um dia para o outro. Mas, ao partilhar a minha história, espero dar um passo importante na direção certa”, conclui.
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